Literatura infantil para todos.

ARQUIVO DO BLOGUE NO FIM
v. 2 Criei o Triciclo de papel porque sentia necessidade de escrever sobre livros infantis e partilhar o que penso com outras pessoas. É um blogue não académico, não institucional, talvez (espero) mais um contributo para a divulgação da literatura infantil.

v.1 Triciclo de papel
é um blogue dedicado à literatura infantil, publicada em Portugal e Espanha, considerada na sua função didáctica e formativa e, como não podia deixar de ser, perspectivada de uma forma lúdica.
O subtítulo literatura infantil para todos remete para os nossos filhos, para os nossos alunos, mas também para nós, que muitas vezes não temos tempo para ler senão os livros supostamente dedicados a eles.

28/09/11

Literatura infantil ou artes plásticas?

Há uns tempos escrevi aqui a propósito de um livro que esse era o melhor álbum sobre arte destinado aos mais novos. É, na verdade, uma afirmação um tanto inexacta. Para mim, é um livro sobre história de arte, um livro que se centra no tipo de pintura caracterizadora de alguns artistas consagrados, uma espécie de "pintar à maneira de" e que me parece que funciona muito bem como uma primeira aproximação ao mundo da arte, embora a conclusão final do autor redunde em defesa do estilo próprio. Trata-se de um livro onde não se teoriza, optando-se por uma abordagem mais dinâmica e cativante tendo em conta os destinatários. Desenvolve-se simplesmente uma história a partir de um mote: um cão que não está contente com a sua imagem.
Acontece que desde há uns tempos para cá o consciente foi tomando o lugar do inconsciente e alguns dos critérios que eu seguia intuitivamente ao escolher livros para os meus filhos foram tornando-se cada vez mais claros.
O primeiro tem a ver com a "descoberta da ilustração". Existem no mercado álbuns infantis que são verdadeiras obras de arte... de ARTE PLÁSTICA (desde a pintura ao digital passando pelas técnicas de impressão, fotografia...). Desta perspectiva, e fazendo a ligação com o início do texto, encontramos autores não tão consagrados, mas que vivem e reproduzem um tempo que é o nosso, sendo possivelmente até mais significativos para as crianças. Por outro lado, tal como em relação à literatura, é indiscutível a importância do contacto precoce com as artes plásticas.
Assim, pouco a pouco foi-se tornando mais óbvio o grande equívoco que envolve o conceito de literatura infantil e que tem, precisamente a ver com o facto de tendencialmente associarmos o suporte livro (conjunto de folhas encadernadas) a literatura. Neste sentido, arriscaria a dizer que no que toca à grandíssima maioria de álbuns até aos seis anos (até à aprendizagem da leitura) não estamos perante exemplos de literatura, e sim de artes plásticas.

27/09/11

Livros simplesmente

Uma das grandes contradições do nosso tempo tem a ver com o consumo. 
Por um lado, o discurso político, na sua generalidade, apela de uma maneira aflitivamente suplicante ao consumo argumentando que sem consumo não há emprego, sem emprego não há comércio, sem comércio a economia definha deixando de poder suportar o Estado Social, ou o que vai restando dele.
Por outro lado, o consumo em excesso é igualmente confrangedor: as toneladas de alimentos que todos os dias vão parar ao contentor do lixo, a fixação doentia pela moda, pelas marcas, pelos gadgets...

Eu assisti à abertura do Continente de Alfragide, do Centro Comercial das Amoreiras, da Zara da Guerra Junqueiro e por aí fora, mas não foi por acaso que a mãe estrangeira, de um país onde há muito havia tudo o que começava a aparecer em Portugal, conseguia ser, e transmitiu isso aos filhos, bastante comedida perante a onda desenfreada de consumo e ostentação que tomava o país.

Foi com este espírito que quando o F. nasceu só lhe dávamos os brinquedos que considerávamos oportunos, tendo em conta a qualidade e, como não podia deixar de ser, a quantidade. 
Oferecíamos-lhe os brinquedos aos poucos, à medida das suas necessidades. Os presentes de fora eram guardados e estrategicamente disponibilizados procurando estimulá-lo de forma equilibrada. Não se pode dizer que tenha tido poucos brinquedos, mas também não foi um bebé inundado de brinquedos.

No que se refere aos livros seguíamos a mesma lógica. Até que nasceu a L.. Nessa altura já havia alguns livros infantis em casa e quando a L. começou a pegar em livros não mais parou. Entretanto eu própria tinha ficado seduzida pelo universo dos livros infantis. Basicamente tudo se processou assim: primeiro comprava livro a livro consoante os temas que mais interessavam a F.. Depois fui descobrindo a ilustração e as inúmeras possibilidades que revelava junto de F.. Mais tarde, tal como fazia com os brinquedos, fui guardando os livros evitando dar-lhos todos de uma só vez, mas chegou uma altura em que já tinha muitos guardados e os livros não são para estar guardados. Isso aconteceu mais ou menos quando a L. começou a prestar atenção aos livros. Parecia que a necessidade dos dois por livros aumentava, mais na L. até, o que me levou a concluir que a regra da restrição não se aplica aos livros. 

Hoje a casa está inundada de livros infantis.

28/06/11

Depressa, devagar


Depressa, devagar, Planeta Tangerina, 2009
22,5 cm. x 20 cm.         28 págs.


Texto: Isabel Minhós Martins
Ilustrações: Bernardo Carvalho


Durante o dia uma criança depara com inúmeras situações contraditórias. Não se trata de situações extraordinárias mas sim de cenas comuns do dia-a-dia.


"Depressa, as torradas ficam frias.
Devagar, não entornaste o leite por um triz."


Como se sentirá uma criança a quem é dirigida tamanha quantidade de orientações contraditórias. Com perplexidade? Com naturalidade?


"Devagar, trabalha com mais doçura.
Mas depressa para ainda secar a pintura."


Não são muito diferentes das incoerências que vamos encontrando ao longo da vida adulta e que alguns encaram com perturbação, outros com fruição.
Depressa, devagar evidencia um olhar integrador sobre o mundo e implicitamente opõe-se
a um outro, impositivo, onde tudo tende a ser lógico e ordenado.
Não é por acaso que, logicamente, o verdadeiro protagonista deste livro é o tempo: o tempo que "grita palavras de ordem", o tempo que causa perplexidade, naturalidade, perturbação, fruição...
Num tempo em que o que se ensina e o que se valoriza é a ser o mais racional possível, este livro surge como um regresso às origens, à consciência do tempo, à vida como ela é.

27/06/11

O primeiro passeio do Bolinha


O primeiro passeio do Bolinha, Editorial Presença, 3ª ed., 1996   [1981]
21,5 cm. x 22 cm.           22 págs.


Texto e ilustrações: Eric Hill


No seu primeiro passeio Bolinha passa para o lado de lá da cerca, espreita na casota e no galinheiro, vai atrás de um barulho esquisito e do cheiro das flores, procura de comer e de beber e finalmente regressa para ao pé da mãe. Não volta sozinho. Volta com a vivência de um conjunto de experiências que vai ter de assimilar a pouco e pouco.






Este é um dos nossos livros de janelas que imperceptivelmente vão caindo no limbo do esquecimento, mas é um daqueles que vão ficar, encaixado em algum ponto da casa à espera que alguém volte a insuflá-lo de vida: talvez só os netos... ou os mesmos filhos... eu próprio?


O Miguel, que ainda acredita no Pai Natal, Reis Magos, rato dos dentes, etc., etc. perguntava-me no outro dia se o Sponge Bob também existia e eu respondi-lhe que sim. Mais tarde, ao jantar, contou ao amigo e este:
—E o Miguel já o foi ver?
—Já. Na Ilha dos Sonhos...
—(Atabalhoadamente) E o Homem-Aranha também existe? Eu também o quero ir ver!
—Quando vocês aprenderem a ler poderão chegar sozinhos à Ilha dos Sonhos.


É assustador saber que há indicadores que mostram que as crianças lêem cada vez mais mas que essa dinâmica se vai perdendo na adolescência e juventude para, em alguns casos, ficar completamente neutralizada na idade adulta.

24/06/11

Nadadorzinho


Nadadorzinho, Kalandraka, 2ª ed., Maio de 2010  [1963]
28,3 cm. x 22,4 cm.            32 págs.


Texto e ilustrações: Leo Lionni


Nadadorzinho era um peixe diferente. Era preto no meio de um cardume de peixes vermelhos e nadava mais depressa do que os seus irmãos e irmãs. Um dia, um atum esfomeado engoliu todo o cardume excepto Nadadorzinho. Agora, sentia-se assustado e triste mas não lhe restava outra solução senão ir nadando, nadando... À medida que ia descobrindo a beleza que o rodeava, ganhava forças. Eis quando avistou um cardume de peixes vermelhos, semelhantes aos irmãos que perdera. No entanto, estes viviam temerosos dos terríveis predadores dos mares. Depois de muito pensar, Nadadorzinho teve uma ideia. Juntou todos os peixinhos formando um peixe de enormes proporções e ele como olho-que-guia e nadaram em sintonia conseguindo afugentar o peixe grande.


O ser diferente que se distingue dos outros pela sua forma física —que lhe permite sobreviver— mas também porque pensa —o que lhe permite viver;
a contemplação da beleza com que são recompensados todos os que não se rendem ao infortúnio —uma contemplação que não é resultado de uma busca desenfreada;
a acertada percepção do perigo, do "peixe-grande-que-nos-vai-engolir", que é fundamental para a nossa sobrevivência;
a união de esforços em torno de princípios, ideias, objectivos...
são algumas das questões que me sugere este texto, um Clássico, publicado em 1963 e sempre tão actual.


Um belo livro de Leo Lionni que nos revela uma história simples. Esta sim, uma verdadeira história simples.

16/06/11

Os quatro amigos


Os quatro amigos, Kalandraka, 2010 [1857]
22,8 cm. x 22,5 cm.            32 págs.


Jacob e Wilhelm Grimm
Ilustrações: Gabriel Pacheco


Era uma vez um burro velhinho que já não conseguia transportar a carga para o moinho. O seu dono decidiu deixar de o alimentar alegando que só lhe dava prejuízo. Ali perto, um cão levava uma tareia monumental por não mais servir para a caça e um gato quase morria afogado pela caseira porque perdera a habilidade de apanhar ratos. Noutra quinta das proximidades, um galo desesperava quando percebeu que ia servir de refeição para os convidados do dia seguinte. Burro, cão, gato e galo fugiram dos seus algozes e juntaram-se rumando em direcção a Bremen a fim de se tornarem músicos. Entretanto anoiteceu e pararam para descansar. O galo, empoleirado no cimo de uma árvore, viu uma luz que parecia ser de uma casa e resolveram ir até lá. Assim que chegaram, observaram desde fora como três ladrões sentados à volta de uma mesa bem guarnecida se preparavam para jantar. Os quatro amigos, famintos, assustaram e afugentaram os ladrões, que nunca mais se atreveram a voltar àquela casa.
O clássico dos irmãos Grimm, mais conhecido como Os músicos de Bremen, volta a ganhar vida nesta edição da Kalandraka. Decididamente, não se trata de mais um livro-lembrete. É um livro que marca a diferença devido às ilustrações de Gabriel Pacheco, que de modo contínuo e persistente desafiam a imaginação dos mais pequenos. Nesta recriação, as caracterizações das personagens, tanto dos amigos como dos ladrões, a cenografia, a eleição das cores… tudo contribui para que possamos participar activamente em todos os actos deste drama e para nos regozijarmos no fim com o feliz desenlace: a demonstração de que a união faz a força.

02/06/11

Licença poética

Tenho sempre em consideração as críticas dos amigos. Normalmente fico a remoer, a remoer e já cheguei a fazer alterações ao blogue tendo em conta algumas delas. A última foi de uma amiga de uma amiga. Aconteceu numa festa de casamento para a qual fôramos convidadas as três: eu, amiga e amiga da amiga, todas com respectivos e descendência. A seguir à cerimónia tínhamos rumado todos para a Quinta do Lusitano onde nos esperava um espaço encantador com lagoas de cisnes e tudo, e um copo d'água que prometia e acabou por corresponder às expectativas. Eu não sou muito boa a fazer descrições, até porque me canso primeiro que o leitor, mas resumidamente o repasto consistia numa sucessão contínua de delicados exemplos da mais inovadora gastronomia molecular. É um tipo de cozinha que constitui um interessante desafio sensorial no sentido em que cria um diálogo constante entre a visão e o paladar ao mesmo tempo que se afasta de qualquer referência gastronómica anterior. Assim, em incógnita atrás de incógnita, desafio atrás de desafio fui gerando uma importante dor de cabeça embora, justiça seja feita, resultante menos da comida do que do esforço social que se impunha no momento. É que é raro haver casamento, festa de aniversário ou outra celebração com mais de dez pessoas que não me deixe exaurida. Bem, a questão é que na sobremesa, ou o equivalente a esta, a Rita Moreira (nome falso), a tal amiga da minha amiga, revelou-me estar preocupada, porque lhe parecia que eu no blogue contava coisas muito pessoais. Devo ter dado uma resposta socialmente correcta, daquelas nem muito secas, nem muito extensas, como manda a ocasião, até porque nessa altura a dor de cabeça já me estava a provocar para levantar acampamento. Uma vez em casa, dei voltas ao assunto, contextualizando devidamente a situação, e coloquei-me a seguinte questão: será fundamental para o leitor que todas as situações descritas no blogue sejam verdadeiras, que realmente se tenham verificado? E se eu nunca tivesse ido à Feira do Livro de Lisboa? E se eu não tivesse filhos? E se nem sequer existisse a amiga da amiga?

01/06/11

Vamos cantar os clássicos!





Vamos cantar os clássicos! 
Ed. Caminho, 2009
27,7 cm. x 22,5 cm.           52 págs.




Concepção e textos: Catarina Molder
Interpretação: Catarina Molder (soprano)
                      Francisco Sassetti (piano)
Ilustrações: Danuta Wojciechowska










Na Feira do Livro de Lisboa do ano passado fazia parte do programa um concerto com a Catarina Molder e o Francisco Sassetti para a divulgação do livro + CD Vamos cantar os clássicos! Nesse fim-de-semana à hora marcada não apareceu ninguém, também ninguém nos soube explicar o que tinha acontecido e ficámos com imensa pena de não termos podido ouvir ao vivo o "chichi" e o "cocó" d'"A Canção do Bebé". 
Trata-se de um projecto que pretende aproximar a canção erudita às crianças. E na verdade, tendo em conta que cá em casa a música clássica não se encontra entre a nossa música de eleição, foi isso que aconteceu, mas não sem antes ter havido lugar para alguma estranheza, gargalhadas genuínas e mãos a tapar ouvidos.
No CD podemos encontrar canções de grandes compositores interpretadas em português pela Catarina Molder. Aquelas de que mais gostamos (e não é plural majestático) são: "A truta" e a "Rosinha do prado" de Franz Schubert, "A canção do bebé" de Gioacchino Rossini, "A borboleta e a flor" de Gabriel Fauré e "O crocodilo" de Eurico Carrapatoso.

30/05/11

A ovelhinha que veio para o jantar


A ovelhinha que veio para o jantar, 2009, Dinalivro
23,7 cm. x 27,1 cm.               28 págs.


Texto: Steve Smallman
Ilustrações: Joelle Dreidemy



O escorpião quer atravessar o rio mas não sabe nadar. Olha à volta e, vendo uma rã, aproxima-se para lhe pedir o favor: 
—Rã, não te importas de me levar até ao outro lado? — pergunta. 
A Rã, assustada, encolhe-se, mas ao perceber que o escorpião não vem com más intenções dispõe-se a ouvi-lo com atenção. 
—Rã, eu não te faço mal, leva-me e ganharás um amigo. 
—E como é que eu posso ter a certeza de que não me vais picar? — questiona a rã. 
—Pensa bem, se eu te picasse enquanto estivéssemos a atravessar o rio morreríamos os dois, não é verdade? 
—Sim, tens razão. Eu morreria envenenada, mas tu morrerias afogado. 
—Então, de que é que estás à espera? Não percamos tempo. 
E lá foram. Justamente quando estavam a meio da travessia o escorpião ferra mortalmente a rã. Esta só tem tempo de perguntar: 
—Mas, porquê? porquê? 
E o escorpião só tem tempo de responder: 
—Não me pude conter. Está na minha natureza.

A ovelhinha que veio para o jantar é uma história fiel à ambiguidade do título. A ovelhinha, destinada a ser repasto de lobo, é no fim convidada a partilhar a modesta mas saudável refeição que o amigo redimido tem para oferecer.
Antes mesmo da ovelha aparecer em casa do lobo, este começa a imaginar um belo prato de ensopado de borrego. Depois é a espera das condições óptimas para meter a ovelhinha na panela (o que nos remete para a história de Hansel e Gretel). Só que o lobo se implica a fundo nesta tarefa e quando dá por isso acha-se apanhado na teia sentimental da qual se torna impossível sair. Opta, então, por uma solução airosa e, para não cair na tentação de a comer, expulsa a ovelha de casa. Mas arrepende-se. Até que a ovelha volta e surpreendentemente, qual avô e neta, resolvem dividir a sopa de legumes preparada para o jantar.
É precisamente essa surpresa, essa aposta numa solução criativa e diferente o que me atrai mais nesta história, uma prova de que a história da rã e do escorpião não tem de acabar obrigatoriamente mal... embora seja difícil.

25/05/11

Contos


Ultimamente tenho a sensação de que a minha filha está refém de dois conhecidos contos populares porque, estranhamente, todo o seu vocabulário parece resumir-se a esses dois títulos, e mal chega da escolinha, depois dos doces afagos do costume, regressa à previsível ladainha:

"Capuchinho Vermelho,
Branca de Neve,
Branca de Neve,
Capuchinho Vermelho."

Há relativamente pouco tempo começámos a contar de forma sistemática ao irmão, três anos mais velho, os contos populares de sempre: os de Perrault, Grimm e Andersen e ela fixou-se nestes dois. Não sou capaz de entender exactamente até onde chega a sua percepção da história, mas é óbvio o seu fascínio pela Branca de Neve e pelo Capuchinho Vermelho, pela rainha má e pelo lobo, pela floresta escura, pelo espelho mágico… Como é tão pequena tendo a adaptar a história. Tenho pudor em dizer “e então, a rainha mandou matar a Branca de Neve” e reformulo “e então a rainha mandou levar a Branca de Neve para muito longe, para o bosque”, o que na verdade fere a coerência da própria história, já que a Branca de Neve continua viva sem que a rainha resolva o seu problema, que consiste em ganhar novamente o estatuto de “mais bela”. Mas, voltando ao fascínio da minha filha que me mantém a mim também fascinada. Não desconheço que, desde que os contos populares ou contos de fadas/ contos da carochinha, como também são designados, começaram a ser alvo de estudo, surgiu uma corrente que insiste na ideia de lhes atribuir uma função pedagógica. Este tipo de contos seria um mostruário de relações interpessoais com utilidade para o desenvolvimento da inteligência emocional da criança, possibilitando-lhe, igualmente a observação de um modelo de percurso que permite ultrapassar todas as adversidades e vencer o poderoso eixo do mal. A ênfase é decisivamente colocada na função social dos contos. 
Para mim, a questão faz muito mais sentido se a englobarmos no papel que assume a literatura na sociedade ou na própria definição do que é literatura, e que passa pela invenção de uma boa narrativa, pelo relato de uma boa história. Simplesmente. Quem não gosta de ler ou ouvir uma boa história? Sem necessidade de explicações, sem estar dependente de um objectivo moral ou didáctico.
Por que é que a literatura nos faz bem?
Por que é que a literatura faz bem às crianças?
É certo que as crianças são “esponjas”, que tem de haver bom senso no que se publica, critério na escolha dos pais, mas também não nos podemos esquecer que devemos assumir a nossa responsabilidade enquanto pais dando o exemplo, sem cair na tentação de pensar em educar apenas através dos livros (ou dos professores, ou dos outros). As crianças têm o direito de querer ficar maravilhadas com uma boa história, tal como os adultos. Simplesmente. E eu certamente vou contribuir para que isso aconteça… e lá terei de me sujeitar à ladainha de antes.


Contos de Perrault, Grimm e Andersen: O Gato das botas, A  Gata Borralheira, O Capuchinho Vermelho, A Branca de Neve, Os Músicos de Bremen, entre outros.

Para recordar e contar;
para ler e mostrar;
para contar e mostrar:




Contos de Perrault, Civilização Editora, 2007
30 cm. x 22,4 cm.    100 págs.



Textos: Gustavo Mazali
Ilustrações: Poly Bernatene

24/05/11

Aún sobre princesas

Toda la escolaridad la realicé en el mismo colegio, por lo que me acompañan muchísimos recuerdos de todas las etapas que viví allí. Uno de esos recuerdos son las inmensas poesías que nos hacían memorizar y que más o menos se mantienen en algún lugar recóndito de mi cerebro. Entre ellas estaban:


la "Canción del Pirata" de Espronceda


"Con diez cañones por banda,
viento en popa a toda vela, 
no corta el mar, sino vuela, 
un velero bergantín:"
[...]


las Coplas por la muerte de su padre de Jorge Manrique (todas las 40 estrofas);


la "Vaquera de la Finojosa" del Marqués de Santillana;


y una de las que recuerdo mejor "A Margarita Debayle" de Rubén Darío


"Margarita está linda la mar,
y el viento,
lleva esencia sutil de azahar;
yo siento 
en el alma una alondra cantar;
tu acento.
Margarita, te voy a contar un cuento:
Este era un rey que tenía
un palacio de diamantes
una tienda hecha del día
y un rebaño de elefantes.
Un kiosco de malaquita,
un gran manto de tisú,
y una gentil princesita,
tan bonita, Margarita,
tan bonita como tú."
[...]


Así empieza el blog en español.

23/05/11

Lenda das amendoeiras em flor


Lenda das amendoeiras em flor
col. Expresso + novos "Lendas de Portugal", Zero a Oito, 2007
19.9 cm. x 20.1 cm.         28 págs.


Adaptação de texto: Ana Oom
Ilustrações: Madalena Matoso


Há alguns anos fiz a colecção do Expresso "Lendas de Portugal" destinada aos mais novos. A concepção do projecto foi da Zero a Oito, que contou com a participação de 12 ilustradores, para além de juntar um CD com músicas e a história narrada por Bárbara Guimarães.
Lembro-me que o meu preferido era a Lenda das amendoeiras em flor, por acaso ilustrado pela Madalena Matoso.


Num Algarve ainda dominado pelos árabes, um rei mouro apaixonou-se por uma escrava trazida das suas razias no norte. A bela jovem de cabelos de oiro, tez pálida e olhos cristalinos não resistiu aos encantos do rei e acabaram por casar. Mas a felicidade dos dois não durou muito, porque a rainha desabou na mais profunda das tristezas. Foram convocados ao palácio todos os sábios do mundo, sem êxito. Até que um dia o poeta do reino, em conversa com a rainha, percebeu a razão do seu desgosto: as saudades da terra natal e da neve incessante que caía nos campos. O rei fez plantar de imediato milhares de amendoeiras e no Inverno seguinte, um manto branco, imenso, acabado de desabrochar, cobria toda a paisagem até ao mar.


Bonita história de amor.

18/05/11

Feira do livro

Este ano, como quase todos os anos, fui à feira do livro de Lisboa. Apesar de preferir ir sozinha e estar o tempo que me apetecesse (ilusão! com filhos deixou de ser possível este ingénuo desprezo do tempo), levei o meu filho mais velho. Embora ainda não leia, quero que se vá habituando a fazer escolhas. Ainda bem que os pavilhões da Kalandraka, da Bruaá e da Planeta Tangerina estavam mesmo no início e pude demorar-me aí com um pouco mais de atenção. Depois, para mim foi uma incursão a galope, para ele, a passo. 
Senti falta de espaços em que os mais pequenos pudessem estar, ver os livros, mexer nos livros. As bancas são demasiado altas para eles, que têm de estar constantemente a pedir para os levantarmos. Ora com sacos por um lado, mala por outro e o meu metro e meio à colação, o acto repetido de elevar periclitantemente 17 Kg. pelos ares não se tornava, decididamente, no exercício mais prazenteiro naquela tarde chuviscosa de quinta-feira.
É possível que seja legítima a irritação contra os grandes grupos, mas para além de encontrarmos livros a bons preços, a disposição dos mesmos parece mais racional, com as estantes e os expositores abertos ao público, o que significa, sobretudo para os mais pequenos, a oportunidade do contacto directo com o livro.
O que é que ele escolheu?
1 livro do Sapo (Velthuijs, vá lá!), 2 livros dos Gormitis e 1 livro do Tom Mate. (Ainda bem que não escolhe tudo!)
No fim de contas até tivemos sorte com o tempo e nem foi preciso abrir o guarda-chuva, que ficou todo o tempo na mala, não fosse entrar noutra história.
No dia seguinte tive a oportunidade de voltar à feira (não vivo em Lisboa) sozinha, sem filhos, mas afinal por menos tempo e em autêntico galope.

17/05/11

A lagartinha muito comilona


A lagartinha muito comilona, Kalandraka, Junho 2007  [1969]
21,6 cm. x 30,1 cm.          28 págs.


Texto e ilustrações: Eric Carle
Tradução: Ana Aires e Isabelle Buratti


Era uma vez um ovo. De dentro dele saiu uma lagartinha muito magra. Tinha de se alimentar e por isso iniciou um ritual ancestral:


segunda-feira comeu uma maçã;
terça-feira comeu duas peras;
quarta-feira comeu três ameixas;
quinta-feira comeu quatro morangos; 
sexta-feira comeu cinco laranjas.


Só que um dia a lagartinha comeu demais (de tudo o que uma criança... ups, lagartinha, lagartinha! adora mas não deve comer) e ficou com uma grande dor de barriga. Agora era uma lagarta gorducha (com refegos e tudo). Construiu um casulo, abriu a porta (a porta não, um buraco) e voou.


Livro esteticamente muito conseguido (vale a pena assistir ao vídeo do Eric Carle a criar a lagartinha), com uns divertidos buraquinhos na fruta à medida dos pequenos dedos das crianças. E a modo de cólofon, o autor presenteia-nos com aquilo que queremos para os nossos filhos: que no fim voem como lindas borboletas (se bem que por mais tempo, por uma vida bem mais longa, uf!).

16/05/11

A lebre e a tartaruga


A lebre e a tartaruga, Caminho, 2ª ed., s.d. [1998]
24,6 x 28,5 cm.        40 págs.


Texto e ilustrações: Helen Ward
Tradução: António Pescada


"Era uma vez uma lebre muito veloz... e uma tartaruga muito lenta. [...]


Um dia em que a lebre ia a correr descuidadamente, tropeçou na tartaruga e deu um trambolhão para cima de uma moita espinhosa que a magoou. [...]


A lebre gritou com a tartaruga. [...]


A lebre chamou vagarosa e estúpida à tartaruga. A tartaruga não disse o que pensava da lebre. Em vez disso, desafiou a lebre para uma corrida. A lebre riu-se tanto que se magoou ainda mais. [...]


Mas embora a lebre não fosse suficientemente veloz para vencer a corrida, corria demasiado depressa para parar. Caiu numa moita ainda mais espinhosa que antes... Mas desta vez não disse nada."


A fábula da lebre e da tartaruga contada e ilustrada por Helen Ward é aqui apresentada com uma linguagem renovada, transparente (como definir as palavras?) no sentido em que utiliza um corpo substancial de palavras com a elegância e a leveza de uma prima bailarina. Isto para dizer que a linguagem é muito clara, acertada, mas igualmente sugestiva, conferindo o espaço devido ao leitor, sem fechar a história por completo. Nesse sentido, não posso deixar de destacar a figura da moita espinhosa que adquire, por um lado, um papel quase humano como elemento punitivo, mas que pode igualmente ser entendida como metáfora da própria condição (humana) da lebre: do seu orgulho magoado à humildade do reconhecimento do erro.
Para além disso, esta conhecida fábula de Esopo resulta num esplêndido álbum sobre animais, no qual belos desenhos se conformam para dar vida a um sem número de expressivas criaturas vindas "de todos os cantos da Terra".

11/05/11

Lucy Cousins




Viva o peixinho! 
col. Borboletras, Caminho, Abril de 2009  [2005]
Tradução: José Oliveira
30 cm. x 25,8 cm.      40 págs.


Texto e ilustrações: Lucy Cousins










Comprei este livro há dois anos, na feira do livro de Lisboa, no recém inaugurado Espaço Leya. Estava colocado bem à vista, em cima de uma mesa. A capa mostrava uma simpática mãe peixe e o seu querido filhote a olharem um para o outro em expressão de alegre cumplicidade. O título era Viva o peixinho! e a autora Lucy Cousins. Parecia o único exemplar. A percepção do que acabei de descrever durou o instante dum relance. Incrível o que podemos apreender em tão curto espaço de tempo. Agarrei rapidamente no livro equilibrando os sacos da maneira mais confortável possível de forma a libertar as mãos. Eu já conhecia a Lucy Cousins, a autora da Maisy, pelo álbum de janelas Um dia com Maisy — que fez as delícias do meu nº 1, mas que já não conseguiu resistir intacto à curiosidade exploratória da minha nº 2— pelo que folheei o livro avidamente. Lembro-me de pensar que o preço tão barato se devia certamente ao facto de se tratar do último exemplar disponível e, segurando no livro com firmeza, dispus-me a pagar. Meses mais tarde soube que o álbum colorido, concebido em rima, onde podemos encontrar todos aqueles peixes tão originais desfilando pelo vasto mar sob a batuta do anfitrião peixinho, fazia parte de uma colecção de capa mole da Caminho, a Borboletras, lançada a preços muito convidativos. Este ano na feira do livro lá estava a mesma banca no Espaço Leya com um exemplar deste e doutros títulos da colecção... mas na estante havia mais.






Um dia com Maisy, Âmbar, 2005  [2001]
27 cm. x 26,8 cm.     12 págs. e 36 janelas


Texto e ilustração: Lucy Cousins

10/05/11

Cantar Juntos 2


Cantar Juntos 2, A PAR - Aprender em Parceria, 2010
22,5 x 20 cm.       94 págs.


Maria Emília Nabuco, Coordenadora Científica do Projecto A PAR
Ilustrações: Madalena Matoso, Planeta Tangerina


CD
Co-produção: José Moz Carrapa, A PAR
Direcção Musical: Ana Sofia Sequeira, Pedro Fragoso e Rute Prates
Gravação, Mistura e Masterização: José Moz Carrapa


A Associação Aprender em Parceria (A PAR), inspirando-se num projecto semelhante da Peers Early Education Partnership (PEEP), lançou em 2010 Cantar Juntos 2, Livro e CD com canções e rimas para crianças dos 3 aos 6 anos, seus pais e educadores. Podia ser mais um CD de música para crianças, mas não é. Logo no primeiro tema chamam a atenção os fantásticos arranjos, quase todos da autoria de Ana Sofia Sequeira, Pedro Fragoso e Rute Prates, mas não só. Aliados à música e aos arranjos (que não têm nada a ver com a maior parte dos CD´s de música para crianças de qualidade mais do que duvidosa que podemos encontrar actualmente no mercado) a compilação de textos/poemas não desmerece, pelo contrário, reflecte a sabedoria e a atenção de uma escolha criteriosa. Para além disso, o excelente design do livro, a cuidada paginação e as ilustrações da Planeta Tangerina, a cargo da Madalena Matoso, completam o projecto contribuindo para que este seja considerado uma autêntica obra de arte. Uma obra de arte que ainda por cima pode ser usada quantas vezes quisermos e que, como se não fosse pouco, ganha qualidade sempre que isso acontece, pelo reconhecimento de novos significados e ideias sugeridos através dos textos e da música. 
Ao terceiro dia já todos trauteávamos as músicas e gostaria de referir, de entre as 48, com especial carinho, o "Ai Lim", "A Roseira", "Eu sou o lobo mau", "A brincar para o castelo", Formiguinha descalça", "Vamos à caça do urso" (perfeita para ser dramatizada), "Uma velha tinha um gato", "Canção do ABC", "O pai" e "A dança dos cinco passos".
Também existe o Cantar Juntos 1, para crianças dos 0 aos 3 anos.

09/05/11

Coincidências

Tenho uma amiga que não costuma ser supersticiosa. Aliás, desde que casou —o marido é um reputado cientista ou investigador, como preferentemente gosta de ser chamado— o seu coração balança mais para os lados do número exacto, da fria lógica e, por extensão, da firme convicção de que Deus não existe. Certo dia engravidou. Era o primeiro filho. Planeado para daí a dois anos, depois de finalizado o doutoramento dele nos E.U.A. e terminado o contrato de trabalho dela com uma exigente empresa da indústria farmacêutica em Espanha, —ela já tinha o doutoramento— o primeiro filho chegaria numa nova fase da vida do casal em que, num qualquer país do velho continente ou nos E.U.A., mas juntos, teriam reunido as condições necessárias para constituir família. Mas, como dizia, o resultado de umas mini-férias —merecidas, isso sim— na Tailândia traduziu-se na antecipação da parte mais importante da planificação. A minha amiga engravidara. Conseguiu ainda acabar o contrato com a farmacêutica, já com uma importante barriga, e resolvera não aceitar nova proposta de trabalho, antes fazer uma estratégica paragem laboral até à defesa da tese do seu marido. A questão é que a gravidez levou a uma grande reviravolta na vida destas criaturas e é agora que começo a contar o que realmente me tinha proposto. Tanto ela como ele nunca tinham pensado a sério num nome para o filho, pelo que sentiram necessidade de se empenharem nesse exercício, estimulante para uns, para outros um tanto fastidioso. Quando a ecografia confirmou que se tratava de uma menina, a minha amiga fixou-se num nome que dizia adorar pela conjugação das letras e por obscuras reminiscências que não era capaz de explicar: Matilde. Matilde, um nome que o marido abominava por razões várias que não são para aqui chamadas. No entanto, ela parecia resolvida a dissuadi-lo. Entre os argumentos que utilizou, contava-se uma história que eu sempre quis acreditar que era verdadeira e que a seguir se descreve. No dia de aniversário do seu irmão João, que ficara com o compromisso de cuidar do Tobias, um rafeiro que tinha ido parar às mãos da minha amiga (eu assisti) —recém-nascido, mais parecia um pequeno rato— por via de um tio —isto já dava para outra história— dirigiu-se a uma grande superfície de Lisboa decidida a comprar-lhe um generoso presente. Enquanto passeava atenta por entre as prateleiras, chamou-lhe a atenção a secção de literatura infantil e, embrenhando-se, despertou-lhe o interesse um pequeno livro intitulado Matilde, quem é? Nunca ouvira falar da autora, mas tirando a Alice Vieira, o Roald Dahl e talvez mais dois ou três nomes, não se lembrava de mais autores de livros infanto-juvenis. Pegou no livro, pois Matilde era já o bebé com quem comunicava. A contracapa não tinha texto. Abriu, então, o livro e folheou-o. Em todas as páginas surgia uma simpática menina, a Matilde (também). Depois começou a ler. Esta Matilde tem dois anos e está a ser apresentada. Tem um avô que lhe conta histórias e uma avó que faz bolo de chocolate. Engraçado! O pai da minha amiga era quem mais lhe contava histórias e a mãe fazia e faz um bolo de chocolate que é uma especialidade —sou testemunha porque já provei. Até aqui nada de extraordinário. Continuou a ler: "Aos domingos a Matilde vai passear com o tio João. Ele é o irmão da mamã". Um arrepio cruzou-lhe o estômago. Virou mais umas páginas até que o arrepio regressou para ficar: "Este é o Tobias. O Tobias é o cãozinho da Matilde". Não pode ser. Não é possível. Tobias não é um nome nada comum em Portugal, sobretudo para um cão. Fechou o livro, esquecendo-se por instantes do presente para o irmão. Praticamente até ao final da gravidez aquele livro representou um sinal de que a filha havia de chamar-se Matilde e que se assim não fosse seria objecto de uma malfadada praga. Mas o marido não cedeu e tiveram de escolher outro nome: o nome da avó que fazia os excepcionais bolos de chocolate. A velha Matilde não chegou a nascer e a nova está aí, linda de morrer, a caminho de receber a irmã, já amanhã, que também não será Matilde. 
Um abraço, Luísa.




Matilde, quem é? 
Campo das letras, 3ª edição, Maio de 2004
14,8 x 21 cm. 28 págs.


Texto e ilustrações: 
Mary Katherine Martins e Silva

05/05/11

O sapo e o tesouro


O Sapo e o Tesouro, Caminho, 2009  
23,5 x 20,5 cm.        28 págs.


Texto e ilustrações: Max Velthuijs


Quando os miúdos começam a fazer perguntas é bom sinal. É sinal daquele desconforto saudável a que me referia no post anterior e que faz com que os leitores se tornem activos e se apropriem dos livros. As histórias do Sapo, de Max Velthuijs são exemplo disso. Em livros em que as ilustrações são leais ao texto, o autor levanta questões importantes, enquadra e relativiza outras, apresenta alternativas...
Por exemplo, n'O Sapo e o Tesouro, o Sapo convida o Ursinho a procurar um tesouro. O primeiro mostra-se muito confiante, aparentando saber perfeitamente o que devem fazer para encontrar o tesouro. Começam a cavar num determinado lugar indicado pelo Sapo e continuam, continuam... até que a dada altura se encontram os dois num buraco escuro do qual não conseguem sair. Gritam, mas ninguém os ouve até que, na manhã seguinte, os amigos (a Pata, o Porco e o Rato) os descobrem e os resgatam. O Sapo conta o que aconteceu e mostra-se inconsolável porque tinha causado uma grande aflição ao Ursinho e ainda por cima não havia tesouro nenhum. Então o Rato, pegando numa pedra da terra amontoada junto ao buraco, anunciou que na verdade o Sapo tinha efectivamente encontrado um tesouro porque aquela pedra contava mais de cem milhões de anos. O livro termina com a decisão do Sapo de entregar o tesouro ao Ursinho porque acredita que ele merece.
Trata-se de uma história com um certo suspense (estamos sempre na expectativa de saber se irão encontrar um tesouro e o que será o tesouro) em que, após um momento de indecisão se chega à conclusão de que afinal o tesouro existe, mas que ultrapassa os limites do material. Em que medida é que as crianças podem entender isto? Não tenho uma resposta única, mas definitivamente pressentem-no e perguntam: mas a pedra é o tesouro? porque é que o Sapo deu a pedra ao Ursinho e não ficou com ela?

03/05/11

Como aprender a voar?


Como aprender a voar? Plátano Editora, Maio de 2005  [2004]
21,5 cm. x 22 cm.          26 págs.


Texto e ilustrações: Coby Hol


Os pais melros constroem o ninho e semanas mais tarde nascem três passarinhos. Crescem muito depressa porque não param de comer, até que chega a altura de voar. Totti ainda não se sente preparado por isso fica sozinho no ninho, na noite escura. Na manhã seguinte decide experimentar. No entanto, ao lançar-se, cai desamparado no chão. Torna-se, então, amigo de um caracol, que o anima e, depois de algum treino, dá por si, finalmente, a voar. O amigo caracol é muito diferente e tem também interesses muito diferentes, mas o que importa é que tem um amigo.
A história de Totti é a de um pequeno melro que, por força das circunstâncias parte à descoberta de si próprio, das suas limitações mas também das suas qualidades. Quando a família deixa de estar presente, Totti percebe que tem de procurar o seu caminho. 
Sem dramas, sem se centrar no tema da perda/ausência da família, Coby Col aborda a questão do percurso individual, no qual a socialização assume um papel fundamental. A curiosidade natural de Totti por tudo o que o rodeia vai permitir-lhe conhecer e aceitar as diferenças e enfrentar o mundo de uma maneira mais confiante.


É um livro que me chama a atenção porque tem qualquer coisa de desconfortável. Gosto de livros assim. Livros que atingem os sentidos, livros que põem campainhas a tocar, mesmo ao de leve. São esses que provocam questões. Não lançam questões, provocam questões, que é diferente. Desta forma, cada leitor poderá indagar à medida das suas vivências, necessidades, maturidade... poderá apropriar-se do livro, torná-lo seu.

02/05/11

Onda


Onda, Gatafunho, 2009 [2008]
18,2 x 31 cm.     38 págs.


Ilustração: Suzy Lee


A menina correu em direcção ao mar, radiante, sob o olhar atento das gaivotas, afastando-se da mãe, que esboçava um sorriso enternecido. O vestido de algodão fino esvoaçava e o cabelo ondulante acompanhava os seus movimentos. O mar tornava-se mais nítido à medida que abrandava, até que parou e, junto a ela, as gaivotas. A menina olhava para o mar interrogando-o, interrogando-se. "Como será?" As gaivotas olhavam para a menina interrogando-a, interrogando-se. "Como será?"
De repente, um repuxo de água e espuma subiu a praia. "Depressa, é preciso fugir!" 
Virada de novo para o mar e transformada num ameaçador gigante, a menina rugiu "Grrrrr!" enquanto aquele retrocedia. No instante seguinte observou frente a ela, à distância, uma massa líquida, informe, de volutas e espuma movimentando-se sabe-se lá ao sabor de que poderes. Até que a acalmia chegou. Esticou o braço. Aventurou-se molhando a ponta do pé. Gostou da sensação e daí a nada deu por ela a chapinhar despreocupadamente. O olho vivo das gaivotas deslocava-se entre aquela agitação de água e luz e um ponto mais além. "Cuidado!" A onda cresceu, cresceu, cresceu. A menina correu, correu, correu. Julgando-se a salvo desafiou novamente o mar e este desabou sobre ela. "Tchapum!" Agora sim estava toda ensopada. O cabelo escorrido. O vestido de algodão fino colado ao corpo. Eis que, sentada na areia, ainda desorientada, se acha rodeada de objectos aos milhares: são conchas de muitas formas, estrelas-do-mar e outros bichos engraçados. "Oh! Que bonito!" As gaivotas aproximam-se e chamam com a menina a atenção da mãe. "Olha, mãe!" grita entusiasmada levantando as mãos, mostrando o seu tesouro. A mãe sorri. Passado um bocado diz: "Está na hora de ir embora. Vai lavar as mãos. Amanhã voltamos outra vez". E avançam as duas pela areia, de regresso, a menina a secar ao vento, esboçando um sorriso enternecido, despedindo-se daquele dia bem passado.




O que pensará a Suzy Lee desta interpretação?

22/04/11

Rita e Cristina


Rita e Cristina, Verbo, 1977 [1975]
26,7 cm. x 19,5 cm.       28 págs.


Texto e ilustrações: Domitille de Préssensé 


A Cristina é prima da Rita, da Elisa e do Miguel. Vai dormir a casa deles porque os pais vão ao cinema. Estão todos muito contentes porque podem brincar até mais tarde. Depois dizem boa noite, vestem o pijama e vão para a cama.




É o meu primeiro livro. É, pelo menos, o primeiro livro de que tenho memória.


Será que os meus filhos irão guardar o primeiro livro?
Qual será o primeiro livro deles?
Não será certamente nenhum dos primeiros livros que receberam, em pano. Nem provavelmente dos segundos, com janelas, texturas diferentes, sons ou outras surpresas. (Hoje em dia os miúdos têm livros muito mais cedo, não é?).

É preciso dar tempo à memória, esperar que esta se revele... mas era bom que se tornassem melhores leitores do que nós!