Literatura infantil para todos.

ARQUIVO DO BLOGUE NO FIM
v. 2 Criei o Triciclo de papel porque sentia necessidade de escrever sobre livros infantis e partilhar o que penso com outras pessoas. É um blogue não académico, não institucional, talvez (espero) mais um contributo para a divulgação da literatura infantil.

v.1 Triciclo de papel
é um blogue dedicado à literatura infantil, publicada em Portugal e Espanha, considerada na sua função didáctica e formativa e, como não podia deixar de ser, perspectivada de uma forma lúdica.
O subtítulo literatura infantil para todos remete para os nossos filhos, para os nossos alunos, mas também para nós, que muitas vezes não temos tempo para ler senão os livros supostamente dedicados a eles.

09/05/11

Coincidências

Tenho uma amiga que não costuma ser supersticiosa. Aliás, desde que casou —o marido é um reputado cientista ou investigador, como preferentemente gosta de ser chamado— o seu coração balança mais para os lados do número exacto, da fria lógica e, por extensão, da firme convicção de que Deus não existe. Certo dia engravidou. Era o primeiro filho. Planeado para daí a dois anos, depois de finalizado o doutoramento dele nos E.U.A. e terminado o contrato de trabalho dela com uma exigente empresa da indústria farmacêutica em Espanha, —ela já tinha o doutoramento— o primeiro filho chegaria numa nova fase da vida do casal em que, num qualquer país do velho continente ou nos E.U.A., mas juntos, teriam reunido as condições necessárias para constituir família. Mas, como dizia, o resultado de umas mini-férias —merecidas, isso sim— na Tailândia traduziu-se na antecipação da parte mais importante da planificação. A minha amiga engravidara. Conseguiu ainda acabar o contrato com a farmacêutica, já com uma importante barriga, e resolvera não aceitar nova proposta de trabalho, antes fazer uma estratégica paragem laboral até à defesa da tese do seu marido. A questão é que a gravidez levou a uma grande reviravolta na vida destas criaturas e é agora que começo a contar o que realmente me tinha proposto. Tanto ela como ele nunca tinham pensado a sério num nome para o filho, pelo que sentiram necessidade de se empenharem nesse exercício, estimulante para uns, para outros um tanto fastidioso. Quando a ecografia confirmou que se tratava de uma menina, a minha amiga fixou-se num nome que dizia adorar pela conjugação das letras e por obscuras reminiscências que não era capaz de explicar: Matilde. Matilde, um nome que o marido abominava por razões várias que não são para aqui chamadas. No entanto, ela parecia resolvida a dissuadi-lo. Entre os argumentos que utilizou, contava-se uma história que eu sempre quis acreditar que era verdadeira e que a seguir se descreve. No dia de aniversário do seu irmão João, que ficara com o compromisso de cuidar do Tobias, um rafeiro que tinha ido parar às mãos da minha amiga (eu assisti) —recém-nascido, mais parecia um pequeno rato— por via de um tio —isto já dava para outra história— dirigiu-se a uma grande superfície de Lisboa decidida a comprar-lhe um generoso presente. Enquanto passeava atenta por entre as prateleiras, chamou-lhe a atenção a secção de literatura infantil e, embrenhando-se, despertou-lhe o interesse um pequeno livro intitulado Matilde, quem é? Nunca ouvira falar da autora, mas tirando a Alice Vieira, o Roald Dahl e talvez mais dois ou três nomes, não se lembrava de mais autores de livros infanto-juvenis. Pegou no livro, pois Matilde era já o bebé com quem comunicava. A contracapa não tinha texto. Abriu, então, o livro e folheou-o. Em todas as páginas surgia uma simpática menina, a Matilde (também). Depois começou a ler. Esta Matilde tem dois anos e está a ser apresentada. Tem um avô que lhe conta histórias e uma avó que faz bolo de chocolate. Engraçado! O pai da minha amiga era quem mais lhe contava histórias e a mãe fazia e faz um bolo de chocolate que é uma especialidade —sou testemunha porque já provei. Até aqui nada de extraordinário. Continuou a ler: "Aos domingos a Matilde vai passear com o tio João. Ele é o irmão da mamã". Um arrepio cruzou-lhe o estômago. Virou mais umas páginas até que o arrepio regressou para ficar: "Este é o Tobias. O Tobias é o cãozinho da Matilde". Não pode ser. Não é possível. Tobias não é um nome nada comum em Portugal, sobretudo para um cão. Fechou o livro, esquecendo-se por instantes do presente para o irmão. Praticamente até ao final da gravidez aquele livro representou um sinal de que a filha havia de chamar-se Matilde e que se assim não fosse seria objecto de uma malfadada praga. Mas o marido não cedeu e tiveram de escolher outro nome: o nome da avó que fazia os excepcionais bolos de chocolate. A velha Matilde não chegou a nascer e a nova está aí, linda de morrer, a caminho de receber a irmã, já amanhã, que também não será Matilde. 
Um abraço, Luísa.




Matilde, quem é? 
Campo das letras, 3ª edição, Maio de 2004
14,8 x 21 cm. 28 págs.


Texto e ilustrações: 
Mary Katherine Martins e Silva

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